Páginas

quarta-feira, novembro 02, 2011

Lula, o SUS, Eu e Você



O novo Lula
Na noite de 19 de abril de 2006, durante a inauguração das novas instalações do setor de emergência de um hospital em Porto Alegre, o então presidente Lula declarou: "Eu acho que não está longe da gente a atingir a perfeição no tratamento de saúde neste país". Praticamente se iniciava o último ano de seu primeiro mandato. Nem houvera começado o segundo.

Ainda naquele ano, o médico e candidato opositor a Lula na disputa pela presidência, Geraldo Alckmin, utilizou a declaração em todos os debates, embasado pelas pesquisas realizadas para a definição das estratégias de campanha, que revelavam a Saúde como o assunto que mais causava insatisfação na população.

Lula conseguiu reeleger-se e, quatro anos depois, eleger sua sucessora, Dilma Roussef, competindo sempre com candidatos ligados ao campo da Saúde. O outro, José Serra, se orgulha de ser chamado como o “Ministro dos Genéricos” e por suas vitórias na quebra de patentes de medicamentos para tratamento da AIDS junto à OMC. O programa brasileiro de combate ao vírus HIV criado por ele, este sim é considerado, mundialmente, próximo da perfeição.

Não foi a toa que Alckmin e Serra foram os candidatos escolhidos pela oposição para contraditar o sucesso do PT no governo federal. Se há problemas também na Educação, Segurança e Transportes, áreas não menos importantes, estes ainda podem ser considerados pontuais, pois atingem principalmente as zonas de maior ou menor concentração demográfica em condições e escalas diferentes.

No caso da Saúde o quadro é generalizado e não há como afirmar onde a situação é mais crítica. Nas maioria das grandes e médias cidades o caos está estabelecido, criado por uma série de fatores, entre os quais se destacam a má gestão, o desvio de verbas, a fraude na emissão de AIHs, o pagamento de comissões a políticos que viabilizam convênios, contratações de serviços e aquisição de equipamentos e medicamentos e o crescimento assustador da pior espécie de espírito corporativista, mercenário e insensível entre os “profissionais da saúde”, que agora se apresentam em sua maioria como mercadores de vidas, contradizendo todas as expectativas em relação ao “sacerdócio” que esperava-se terem abraçado.

Ao contrário do que o quadro de franco crescimento econômico e consolidação das políticas de governo faria entender, os quatro anos do segundo governo Lula não foram suficientes para excluir aquele “quase”.

Pelo contrário, o quadro agravou-se e o tema deveria ser mais uma vez o mais suscitado pelo velho ministro dos genéricos em 2010. Mas as pesquisas – sempre elas – apontaram de forma clara e óbvia que falar em Saúde no confronto com uma candidata recém-curada de câncer não seria boa idéia, pois serviria como bola cruzada para o discurso de quem “sentiu na pele” e estaria muito motivada a, finalmente, resolver a situação.

O tema foi bem menos utilizado do que poderia, a oposição perdeu grande parte do potencial discursivo e foi derrotada, mais uma vez. Desta vez, de certa forma, pelo câncer de Dilma.

E mais uma vez a expectativa não se converteu em realidade. A economia continua ditando as regras do governo, da mesma maneira que nos governos do PSDB.

Não há dinheiro para a Saúde, Segurança, Educação ou Transportes. Mas nossas reservas (dinheiro parado, rendendo juros muito baixos) nunca foram tão altas. Haverá bilhões para gastos com a Copa e as Olimpíadas, embora elas não influam nada na melhoria dos serviços de Saúde e Educação e muito pouco na qualidade dos transportes e no aumento permanente da segurança.

Basta um telefonema da presidente para que o Banco Central libere milhões e milhões de dólares, aplacando a ganância de bancos e investidores internacionais e forçando o aumento de alguns centavos no dólar.

Mas para uma mãe dar à luz um filho, uma criança receber o medicamento que salvará sua vida, um homem ser operado e poder voltar a trabalhar e sustentar a sua família ou um idoso ter autorizada sua internação numa UTI que lhe dará a sobrevida merecida, todos os dias, brasileiros são obrigados a se humilhar em recepções de hospitais, denunciar à imprensa ou buscar na Justiça os seus direitos.

Que tipo de orgulho pode ter um governante que tenha a exata noção de que gente morre todos os dias por sua causa?

Que tipo de consciência tem uma pessoa assim, independente do que de bom esteja fazendo e das intenções que possua?

Que país é este onde a manutenção VIDA não é a primeira prioridade, anos luz à frente de qualquer outra?

Que tipo de tratamento teria um homem que fumou e bebeu, em alguns momentos com certos exageros, ao longo de toda sua vida adulta, ao ser comunicado por um médico do SUS de que estaria com um tumor maligno causado principalmente por esses dois fatores?

Se você já foi atendido (se é que àquilo pode se chamar “atendimento”) em qualquer serviço típico do SUS, você deve ter a exata noção de como seria dada essa notícia.

E como seria o “tratamento” na maioria dos serviços de oncologia mantidos pelo SUS?

Pois é, eu também acho que seria assim...

Independente de discutir como seria o tratamento de Lula no SUS, pois seria o cúmulo do oportunismo se alguém, a essas alturas, tivesse a brilhante ideia de tentar nos convencer de que a “perfeição” finalmente foi atingida e fizesse com Lula uma espécie de Big Brother SUS, é NECESSÁRIO que ele e o Brasil se utilizem de sua doença para discutir não apenas a abrangência e as taxas de sucesso dos tratamentos de saúde oferecidos pelo SUS, mas, sobretudo, para tentar sensibilizar todos os envolvidos no processo – do Ministro da Saúde ao auxiliar de enfermagem do mais longínquo PSF – de maneira a fazê-los perceber e reagir de maneira minimamente sensibilizada ao sofrimento de pacientes e familiares que se veem inesperadamente diante da descoberta e enfrentamento de uma doença grave.

O que, absolutamente, não acontece hoje.

Mais do que propor a experiência de como seria se Lula se tratasse no SUS, segundo o padrão de atendimento atual, precisamos propor a experiência do que seria necessário para que o SUS pudesse tratar Lula como ele, eu, você e qualquer outra pessoa merecemos.

Mais do que se preocupar em maximizar a imagem mitológica criada e alimentada pelo PT em torno de seu líder maior, precisamos aproximar ainda mais Lula da humanidade à qual ele pertence debatendo como seus maus hábitos podem tê-lo feito chegar a esse momento.

Não tenho a menor dúvida de que Lula vencerá mais esta batalha "like a boss".

Não pela excelência do atendimento que recebe, mas, principalmente, pela sua coragem, força e fé.

Não tenho, também, qualquer dúvida em relação a como ele será, dentro em breve, um grande embaixador da causa dos doentes de câncer do Brasil.

Tanto quanto Lula precisa do nosso apoio, o Brasil precisa do nosso debate, do nosso senso de responsabilidade social e do nosso poder de argumentação, para que outros - fumantes e consumidores de álcool - não sejam atingidos pelo mesmo mal e, caso sejam, tenham o tratamento eficiente, digno e humanizado que qualquer um merece.

Utilizemos Lula como um exemplo do que ele sempre se propôs a ser: um homem, como nós.

Um comentário:

Tainá Caju disse...

"Mais do que propor a experiência de como seria se Lula se tratasse no SUS, segundo o padrão de atendimento atual, precisamos propor a experiência do que seria necessário para que o SUS pudesse tratar Lula como ele, eu, você e qualquer outra pessoa merecemos." Pura verdade!!