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domingo, maio 01, 2011

PRIMÓRDIOS DA ANIMAÇÃO GRÁFICA EM CAMPINA GRANDE



Olha eu aí, há mais de 20 anos, já nos primeiros passos para me distanciar da extinta magreza, fazendo de conta que estava vendo alguma coisa no visor da velha Sony DXC1820, que deixava todo mundo com "cara de lua" (cheia de buracos).


Era o final de 1986 quando o então Diretor de Programação da TV Borborema, afiliada da Rede Globo em Campina Grande, transformava em realidade o sonho de montar a primeira produtora de vídeo profissional de Campina Grande.


Afonso Marreiro, ex-desenhista e chargista do Diário da Borborema, fascinado pela produção em vídeo, produzia comerciais para a única emissora do estado ainda em VHS e montava seus filmes nas máquinas da própria emissora, que normalmente não cobrava por tal serviço, incluindo-o nas verbas investidas pelos anunciantes para a exibição dos comerciais.



A NO AR Produção Comercial e Propaganda iniciou suas atividades na sala 09 da sobre-loja do Edifício Rique, localizado à Rua Venâncio Neiva, onde também funciona a emissora, contando com o patrimônio de uma câmera Sony DXC-1820, um gravador de externas U-Matic VO-6800, dois Vídeo Tape Recorder de Mesa Sony VO-2680, carinhosamente chamados de “jacarés” pela habilidade incomum de “engolir” fitas.


Estes e outros equipamentos, como gravadores de rolo Akai, mixer de áudio Polivox e tripé em ferro eram o pecúlio resultante da participação de Afonso na campanha do então Senador Raimundo Lira e pertenciam originalmente à produtora CONVÍDEO, de João Pessoa.


Até aquele momento toda a produção de comerciais exibidos em Campina Grande era feita em película de Super 8 ou 16mm, pela Cinética de Machado Bitencourt, importada de produtoras como a Vídeo Frame, das organizações Arnon de Mello (TV Gazeta) de Alagoas ou da produtora da TV Globo de Recife, além das produções “caseiras”, da própria TV Borborema, em VHS.


Não se tem notícia de que antes desta época tenha sido produzido qualquer material que possa ser considerado animação em Campina Grande, embora algumas empresas, como as Casas José Araújo ou as Lojas Pernambucanas, utilizassem técnicas específicas em suas assinaturas, produzidas quase sempre em São Paulo.


O mais próximo que se chegava de animações na publicidade eletrônica campinense eram os tradicionais VTs de promoção criados pela agência Vitória Régia, do publicitário José Tavares, onde figuras recortadas em cartolinas se alternavam rapidamente na tela para anunciar as promoções das mais tradicionais malharias de Campina Grande.


Em meados dos anos 80, logo após a inauguração da TV Paraíba, que tirou da TV Borborema a concessão da Rede Globo, o fantasma da concorrência começou a rondar o mercado até então dominado com exclusividade pela NO AR. Estabelecida em Natal, a empresa Provídeo começou a investir no mercado de Campina Grande para o fornecimento de filmes comerciais com qualidade superior, produzidos com as moderníssimas câmeras 3CCD, pois até então a captação de imagens pelas câmeras de vídeo era feita através de um ou mais tubos, e com ilhas de edição das linhas VO e BVU, da Sony, controladas por equipamentos que sincronizavam duas ou até três máquinas, que eram capazes de efeitos especiais como o slow-motion e o A/B roll.


A chegada da Provídeo forçou a modernização da NO AR e por volta de 1988 eu, que na época era o editor de imagens da empresa, fui enviado a João Pessoa para retirar em uma das várias produtoras já existentes na capital um equipamento que seria a grande arma da NO AR contra a concorrente: um computador AMIGA 500. Na visita à empresa do diretor Weber Luna, que não deveria durar mais que algumas horas, eu receberia ainda todas as instruções necessárias para operar com facilidade o novo equipamento. Ao chegar fui recebido pelo filho de Weber, Max, que interrompeu um de seus jogos eletrônicos – o AMIGA foi também conhecido pelos games – para fornecer-me informações básicas a respeito do equipamento, que visavam muito mais que eu não o quebrasse tentando aprender a usar do que propriamente a boa operação do mesmo.


Lançada em 1984 pela empresa canadense Commodore, a série AMIGA foi criada por Jay Miner, até hoje um dos mais respeitados gênios da informática, porém desconhecido do grande público graças ao crescimento de concorrentes como a Microsoft e a Apple.


O primeiro computador da série foi o AMIGA 1000, lançado em 23 de julho de 1985, mas o grande sucesso da linha foi realmente o AMIGA 500, lançado no início de 1987, com processador MC 68000 de 7.14Mhz, 512Kb de memória RAM, drive para disquetes de 880kb, mouse e sistema operacional AmigaOS 1.2. Caso quisesse trabalhar com HD, este teria que ser externo, com até 20Mb, e poderia ser importado quase pelo mesmo preço do próprio computador (US$ 1.000).


Era realmente impressionante o que o valente AMIGA 500 conseguia fazer com tão pouco!
Chegando a Campina Grande com o equipamento, após ver o que Max “aprontava” em João Pessoa, declarei que estávamos com um grande trunfo nas mãos, pois a aquisição do computador representava uma aposta arriscada em um mercado que ainda não assimilava ainda a convergência do vídeo com a computação, exceto em projetos extremamente profissionais e financeiramente vultosos de algumas redes nacionais e empresas de produção com qualidade broadcast.


Não foi pequeno o trauma ao perceber que a máquina não aceitava os comandos repassados pelo “professor” e tão arduamente decorados e anotados ao longo da viagem de volta. Quase duas semanas se passaram da mais profunda decepção – mais comigo do que com a máquina – e de negativas de Max em deslocar-se a Campina Grande para finalmente fazê-la funcionar até que alguém finalmente percebeu que o computador, montado em um só gabinete (teclado, cpu e drive de disquete) tinha era uma pequena rachadura na placa principal, que causava um mal contato e impedia a recepção dos comando enviados pelo teclado. Após aquele dia, era normal para nós e muito estranho para os que não fossem acostumados ao nosso cotidiano, dar uma “torcidinha” no gabinete quando ele recusava-se a “trabalhar”.


O AMIGA é considerado o primeiro computador com reais qualidades para a produção de vídeo acessível ao mercado, inicialmente pela sua saída de vídeo ser idêntica a dos vídeocassetes, através de vídeo composto, por um cabo com conectores RCA, o que possibilitava que o que aparecia na tela fosse gravado em vídeo, fazendo com que o AMIGA gerasse slides computadorizados para os comerciais da época. Além disso, havia os programas especializados, como o Vídeo Title, o TV Text e o TV Show, que era realmente o meu preferido e já trabalhava, vejam só, com alguns dos conceitos utilizados até hoje, como a marcação de key-frames para determinar os pontos de início e final de uma animação.


Foi com o TV Show que produzi, no finalzinho dos anos 80, as primeiras vinhetas animadas em computação gráfica da TV campinense, formadas quase sempre por letras em baixíssima resolução para os padrões atuais, que poderiam utilizar-se de 8,16, 32, 64 ou até 4.096 cores, que percorriam rapidamente a tela e formavam palavras, frases ou cópias distorcidas das logomarcas dos clientes, com uma “marca registrada” que era uma pequena “piscada” antes do último frame.


A memória de 512Kb daquele AMIGA 500, que não tinha HD, me permitia animar até 60 frames com 8 cores ou 15 com 16 cores. Comumente era utilizado um efeito de vai-e-vem para driblar a pouca capacidade do equipamento e duplicar o tempo de animação.


Além dos muitos filmes comerciais, o primeiro programa da TV campinense a utilizar as animações do AMIGA 500 foi o CCAA TV, que eu escrevia, gravava, editava, produzia e dirigia no ano de 1991. O programa era exibido pela recém inaugurada TV Paraíba e foi o primeiro de produção independente a ser exibido na Paraíba. Ia ao ar nos domingos pela manhã, ocupando o horário e privando os campinenses, vejam só, das primeiras temporadas de Os Simpsons.


Logo após a compra do AMIGA 500 um episódio marcante aconteceu. Ao voltar de uma gravação externa, fui informado pelo cinegrafista Carlos Alberto Xapéu, meu colega na NO AR, que havia estado lá um garoto que conhecia o AMIGA e que dizia haver um aparelho chamado GENLOCK, que possibilitava a superposição dos gráficos do AMIGA nas imagens em movimento.


Profissional experiente no mercado, assistente e seguidor de Machado Bitencourt, Xapéu achou que o garoto não sabia o que estava falando e não o levou a sério.


Aquele garoto era Sílvio Toledo, que iniciava nesta época as suas visitas cotidianas à NO AR, sempre para descobrir mais sobre a área e falar sobre a magia da animação.


Ainda em 1991, após ser levado à empresa Laser Engenharia pelo publicitário Walter Carvalho, Sílvio Toledo foi contratado para produzir o primeiro comercial em animação de Campina Grande. Para que o contrato fosse possível, abriu mão de diversas especificidades do trabalho, substituindo, por exemplo, o acetato próprio para a animação por transparências utilizadas para fotocópias e a tinta especial para animação por tinta acrílica utilizada para pintura de paredes.


Após semanas de trabalho para desenhar e colorir os quadros que formariam uma estória que ilustrava um jingle do anunciante, Sílvio chegou à NO AR com a grande caixa de material e desesperou-se em seguida ao perceber que o incorreto acondicionamento das transparências na caixa havia feito com que a maioria dos desenhos grudasse entre si, fazendo com que grande parte do seu trabalho estivesse completamente perdido.


Como não havia mais tempo nem dinheiro para refazer o trabalho perdido, decidimos produzir o filme com o que tínhamos e iniciamos a gravação dos quadros. O processo era feito através de uma câmera Sony U-Matic DXC M3A, com a qual eu captava alguns segundos de cada quadro, para, em seguida, montar frame a frame no velho VTR, auxiliado por um controlador remoto modelo Sony RM450. Embora em alguns trechos o filme tenha tido não mais que sete frames por segundo, o filme foi um sucesso e Sílvio “animou-se” para a carreira que deveria seguir, lançando em seguida o seu personagem Godofredo, que assemelhava-se muito ao personagem principal do comercial da Laser.


Embora este tenha sido o primeiro filme comercial de animação produzido em Campina Grande, outro foi realizado logo em seguida, para o mercado local, com criação e concepção técnica feitas por mim, porém produzido em Natal, pela Provídeo, em vista das condições inexistentes para que o processo fosse feito em Campina Grande.


O título do filme era “Arraial da Saúde”, a agência foi a Takes – de Miriam Ribeiro – e o cliente, o Grupo JB Dantas (atual Farmácia dos Pobres). A minha idéia era produzir um filme onde caixas e vidros de medicamentos simulassem uma quadrilha junina, em meio à maquete de um arraial, com direito a fogueira, bandeirolas e todos os “atores” e “atrizes” devidamente paramentados. Após “vender” a idéia para Miriam e Joãozito (diretor do Grupo JB Dantas), levei um bom tempo para explicar para Tony, proprietário da Provídeo, como ele conseguiria realizar a idéia, pois eles jamais tinham feito nada do gênero até então.


O resultado foi então o primeiro e talvez único comercial produzido com a técnica do stop motion – embora eu nem soubesse que ela existia na época – especificamente para o mercado de Campina Grande. O “Arraial” foi o vencedor, em 1992, do primeiro lugar na categoria mercado (a mais disputada) da primeira edição do Prêmio Criatividade, até hoje promovido pela Rede Paraíba.


Uma outra experiência pode ter significado a primeira incursão do 3d na publicidade campinense. Com uma caixa em papelão azul, onde foi desenhada a logomarca do supermercado Serve Bem, presa a um toca discos com um lápis como haste, simulamos um cubo em 3d, com o efeito Chroma-key, na época disponível apenas na TV Paraíba, através do equipamento CRK-2000.


Em 1994, já instalada no recém-construído Empresarial Metropolitan, a NO AR adquiriu o equipamento que foi sem dúvidas a sensação das produtoras de pequeno e médio porte nos anos 90: o computador AMIGA 4000, equipado com a placa VIDEO TOASTER.


A VIDEO TOASTER, como o próprio nome sugere, era uma estação de produção de vídeo extremamente prática, rápida, potente e eficaz. O AMIGA 4000 era equipado com um processador 68040, que operava a uma velocidade de 25Mhz, com 2Mb de RAM, Drive para disquetes de 3.5”, controladora IDE, HD de 80Mb e sistema operacional Amiga DOS 3.0, além do AGA chip set, que permitia mostrar até 256.000 cores, enquanto os chips concorrente permitiam mostrar apenas 4.096.


A estação era formada por dois módulos de trabalho. O primeiro simulava uma mesa de efeitos na tela do computador e possibilitava fazer a transição entre duas imagens ou inserir elementos gráficos em movimento sobre as imagens. O segundo módulo era um programa de animação dividido em dois módulos, sendo um para modelagem e ou outro para animação propriamente dita: o LIGHTWAVE.


Durante os primeiros meses de utilização da Vídeo Toaster, o Lightwave era um grande mistério para mim e só depois de muitas tentativas consegui começar a entender o seu funcionamento, produzindo então as primeiras vinhetas realmente em 3d do mercado, que nada mais eram do que as mesmas do TV Show, agora com mais cores, perspectiva, volume, luzes e tudo o que a primeira versão do programa já permitia.


Em 1995, contratado pela agência JTP, produzi para o anunciante MOTORTRAFO o que pode ser considerada a primeira vinheta em 3d de Campina Grande, onde consegui reproduzir ainda de forma tosca uma rua com três postes, num dos quais estava um grande transformador cinza, de onde sairiam faíscas que formariam as letras do logo da empresa.


Nesta época as vinhetas em 3d tornaram-se mais populares em João Pessoa, quando Luciano Piquet, hoje proprietário da bem sucedida empresa Paraí, utilizava com perfeição o 3D Studio para simular principalmente os ambientes dos melhores apartamentos comercializados no nordeste.


Daí pra frente, o mercado de animação de Campina Grande, ao invés do que poderia se esperar, encolheu, se considerarmos a sua força inicial.


Hoje, são realmente muito poucos os usos da animação tradicional ou em 3d para peças comerciais produzidas na cidade, sem falarmos em outras técnicas, como o stop-motion, jamais utilizada novamente.


Embora a empresa S. Toledo tenha sido criada para atender a uma possível demanda de um mercado potencial, este jamais existiu de fato e a empresa, como várias outras de ponta em suas áreas, direciona toda a sua produção para mercados externos, inclusive internacionais.


Hoje Campina Grande conta com quatro produtoras de vídeo profissional (NOAR, Ruan, Ativa e FK) e nenhuma delas está apta a produzir com seus próprios recursos técnicos ou humanos, peças de animação de personagens, por exemplo, embora utilizem os mais modernos softwares disponíveis no mercado, como 3DMax, Lighwave, Maya e Adobe After Effects, porém simplesmente para animação básica de letterings e logotipos.

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