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domingo, junho 16, 2013

O PROFESSOR MARMITEIRO



Me assusta cada vez mais o nível de uma parte dos alunos que se encontra nas salas de aula de ensino superior, infelizmente especialmente nas instituições privadas, desse já tão sofrido Brasil cujo povo come picado e o governo arrota faisão.

Como entender que seja aceitável a existência de um aprendiz que vibra quando o professor avisa que não poderá dar aula, que pede para não fazer prova porque “prova é muito difícil” e pede que “passe um trabalho bem facilzinho” (e no dia da prova pede para que seja feita “em dupla”), que reclama o tempo todo de qualquer tarefa um pouco mais elaborada que seja solicitada, que chega sempre tarde e sai sempre cedo e que, finalmente, passa todo o pouco tempo que permanece na sala de aula conversando e/ou mexendo no celular, tablet ou computador? E ai do professor que colocar falta numa criatura dessas, cujo corpo até aparece na sala, mas que a mente, se é que ainda funciona minimamente, não passa nem perto da faculdade há anos...

Como assimilar uma pessoa que paga – ou cujos pais ou governo pagam – uma mensalidade de valor considerável para que lhe seja prestado determinado serviço, passe a maioria de seu tempo tentando sabotar a relação estabelecida entre si, como cliente e beneficiário dos serviços prestados, e a instituição contratada, através dos professores responsáveis pelo cumprimento do contrato?

Encontramos hoje nas salas de aula do ensino superior brasileiro, especialmente nas instituições de ensino particulares, o melhor e o pior da educação nacional.

De um lado, alunos interessados, esforçados, capazes e competentes, dispostos a sacrifícios diários para tentar ascender social, cultural e economicamente. São atenciosos, curiosos, críticos, questionam cada informação que não lhes faz sentido à primeira vista, adicionam informações ao conteúdo oferecido, às vezes com conhecimento até mais vasto que o próprio professor a respeito de certas especificidades da matéria ou, principalmente, de fatos e conceitos atuais sobre o assunto, pois que estão sempre ligados nas informações do segmento e pesquisando sobre a profissão, o mercado e suas permanentes mudanças e evolução. Não trato esses como alunos, prefiro entender que somos colegas e que, apesar de ainda estarem no estágio formativo da profissão, já têm dentro – e fora – de si todos os elementos que os habilitam a dividir comigo as frentes de trabalho que o mercado oferece.

Do outro lado, o suprassumo da incompetência intelectual brasileira, em sua maioria egressos das melhores escolas particulares disponíveis, filhos de pais que resolveram dar tudo de melhor que não puderam ter na juventude aos seus herdeiros e seguros de que se nada mais der certo, viverão às custas da família pelo resto da vida – e se esforçam muito para que nada dê certo.

Tratam o professor como um garçom de um restaurante a la carte, que deve lhes trazer a comida prontinha, quentinha, fresquinha e, se possível, cortadinha, para facilitar a refeição e evitar sufocamentos com algum pedacinho maior de informação.

Acreditam que esta é a função do professor, tal qual um marmiteiro: ir ao mercado do conhecimento, examinar, selecionar e adquirir toda a informação necessária para a sua nutrição intelectual, com o cuidado de se livrar dos “ossos” e partes menos macias, para depois organizar tudo, distribuir em pequenas porções, para ele não engasgar e nem sofrer algum tipo de indigestão mental e servir-lhe apenas o necessário para que ele possa “se dar bem” na profissão que escolheu e não passar vergonha nos papos com os colegas por não conhecer alguma regra básica da profissão, embora sempre surjam os comentários do tipo “eu vi isso em alguma matéria, mas não prestei atenção, afinal o importante é a prática, né?”

Tudo tem que ser muitíssimo bem apresentado, muito colorido, cheio de figurinhas, videozinhos, musiquinhas, infográficos, links, realidade aumentada, lousa interativa etc. etc. etc. TEXTO? Texto é chato! Texto é antigo! Texto é brega! Texto já era!

Fico imaginando se um aluno desses vibraria ao receber a informação de que a marmita daquele dia não seria entregue, ou ao perceber que um médico deixou de pedir alguns exames para que o diagnóstico de uma doença ficasse mais simples, ou se um engenheiro fizesse os cálculos estruturais de sua próxima casa "no olho" para não ter muito trabalho.

Para essa galera, consumidores sempre muito exigentes e enjoados, todo mundo precisa fazer seu trabalho corretamente, menos o professor, afinal o professor que procura cumprir com suas obrigações e se esmera para oferecer algo que realmente agregue valor à disciplina ministrada, para esses alunos, não ajuda, mas, pelo contrário, atrapalha a caminhada rumo ao único objetivo buscado no curso: o diploma, que tem que ser obtido sem esforço, sendo o maior sacrifício admitido para a sua obtenção o fato de deixarem de assistir às novelas da moda durante algum tempo para frequentar a faculdade.

E no meio disso tudo, afinal existem muitos tons de cinza, estão alunos que a gente percebe estarem meio perdidos nesse universo, em alguns momentos fascinados pela possibilidade de progredir e alcançar estágios de consciência mais elevados, mas em outros puxados para baixo pelo ambiente impregnado de desinteresse e má vontade, que, inclusive, condena e pratica bullying com aqueles que resolvem ir pra sala no início da aula, abandonar a rodinha de conversa para prestar atenção ao conteúdo ou se esforçar para estudar incondicionalmente o conteúdo, independente do que vai ou não “cair na prova”, ou simplesmente expõem de maneira sincera suas dúvidas em relação ao conteúdo exposto. Fazer uma pergunta, em algumas turmas, é motivo para gozação eterna, então alguns preferem passar a eternidade na dúvida.

Quanta vergonha alheia de um aluno – ou grupo – que entrega um trabalho completamente impregnado de erros básicos de gramática, concordância, regência e todo tipo de desacato à língua portuguesa, mesmo tendo se utilizado de editor de textos que corrige praticamente tudo.

Quanta pena de um aluno – ou grupo – que entrega um trabalho todo copiado da internet e que não consegue ter sequer a inteligência basilar de limpar a formatação da Wikipédia ou qualquer outra fonte mais elaborada que conseguir descobrir.

Que triste ver um aluno - ou grupo - que tem a coragem de submeter ao professor - e colegas - um seminário que consiste em mostrar uma sequência de slides cheios de textos minúsculos, copiados de algum lugar na internet, que vão se sobrepondo no quadro enquanto o aluno - ou grupo - apenas lê apressadamente esses textos, demonstrando completo desconhecimento do assunto e, pior, total falta de comprometimento com a atividade e completa ausência de bom senso em relação à capacidade perceptiva e avaliativa do professor.

Quanta desesperança nos invade quando um aluno completamente medíocre nos aborda, ao final de um semestre onde ficou comprovada sua total inapetência para a profissão que escolheu, pedindo que reconsideremos as notas conferidas às suas atividades, sem qualquer consciência de que as notas recebidas na academia não significam absolutamente nada no mercado de trabalho e, mais grave, sem entender que essas notas são um recado claro para que tente corrigir enquanto é tempo sua evidente falta de habilidade para o exercício profissional futuro.

Entendo que alguns alunos foram marcados pela arrogância e prepotência de professores que no passado, ou presente, lhes impediram de buscar e alcançar o conhecimento como efetivamente deve acontecer, negando a oportunidade da colocação de dúvidas, da participação sincera ou do debate sério e pertinente, mas não há professor interessado no crescimento de seus alunos que não se esforce para deixar claro repetidamente em sala de aula que todos os questionamentos e observações são muito bem vindos, categoria em que procuro sempre me enquadrar.

Ao final de mais um semestre, no qual, outra vez, vi de tudo, agradeço sinceramente aos alunos que novamente reacenderam a esperança de um mercado formado por profissionais mais conscientes, éticos e inovadores, mas aproveito também para alertar aqueles que insistem em pensar que a faculdade é uma empresa criada para atender às suas vontades – e não às suas necessidades – que ainda há tempo para entender melhor qual o seu papel nesse processo criado e desenvolvido para FORMAR profissionais e não para AGRADAR clientes que sequer conseguem entender quais são os seus reais direitos e deveres.

E o desejo mais sincero: que ao final do próximo semestre eu não precise postar este texto outra vez...

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