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sábado, abril 21, 2012

Manual Prático da Boca de Urna




Mais do que qualquer sigla partidária, as iniciais BU (Boca de Urna) têm grande significado no cenário político-eleitoral brasileiro, com maior incidência na região Nordeste e poder decisivo absoluto nas eleições da Paraíba.

E como toda prática delituosa nascida ou adaptada à realidade brasileira, a BU encontra na Paraíba um de seus laboratórios mais especiais, com casos recheados de grande ironia, como o de um político que coletou junto aos seus eleitores os números de suas contas bancárias para depositar o valor referente à compra do voto e na noite da sexta-feira antes da eleição efetuou milhares de depósitos diretamente nos caixas eletrônicos, com envelopes cheios de santinhos de outros candidatos. Seria o caso de adaptar-se o ditado e transforma-lo em “corrupto que engana corrupto tem quatro anos de mandato”.

Em Campina Grande, especificamente, me atrevo a afirmar que a famigerada “Boca de Urna” é prática obrigatória para qualquer candidatura - majoritária - com o mínimo de vontade de realmente alcançar o sucesso nas urnas.

Mas, obedecendo ao título da postagem, vamos às instruções!

Se você será candidato nas próximas eleições e quer saber como garantir seu mandato sem muito esforço e não conhece ainda as táticas da compra de voto, é com prazer que lhe apresento umas dicas básicas, utilizadas pelos mais competentes compradores de votos dessas redondezas e que têm garantido anos e anos de vida boa para alguns espertalhões que ocupam cadeiras em órgãos do legislativo e executivo paraibano.

Etapa 01: ALISTAMENTO DE LIDERANÇAS
Nesta etapa, você se reunirá com pessoas que atuam em suas comunidades ou junto a determinados segmentos (associações, sindicatos, empresas, órgãos públicos etc.) como “lideranças”. Nem toda liderança vende votos, mas todo vendedor de votos se apresenta como liderança. O papel dessas pessoas é o de arregimentar aqueles que venderão seus votos a você. Para saber se uma liderança trabalha bem, o caminho mais seguro é analisar seu currículo de vendedor de votos. Primeiro, descubra para quem ele trabalhou nas campanhas passadas e depois verifique como foi o desempenho desses candidatos nas seções onde votam os eleitores que ele está lhe oferecendo. Mas cuidado! Tem liderança que vende como sua a “carteira” de outro ou aqueles que computam como seus os votos que o candidato já tinha naquela área. Para ter o máximo de segurança o bom mesmo é ver se aquela pessoa é uma liderança ativa e permanente, exercendo papel de destaque junto ao seu “mercado” e ajudando seus “fornecedores” também fora do período eleitoral. 

Normalmente, as lideranças mais competentes atuam junto a determinados órgãos públicos, facilitando o acesso de seus protegidos. A área de maior atuação é mesmo a Saúde, onde eles têm contatos que lhes ajudam a conseguir consultas, exames, medicamentos, cirurgias e tratamentos. Na Educação, as lideranças atuam conseguindo vagas em escolas e creches, transferências, espaços para eventos etc. Há também lideranças que atuam junto a setores como limpeza urbana e obras, conseguindo limpeza de terrenos e melhorias em ruas; na ação social, desenrolando cestas básicas e até caixões de defunto; nos órgãos de trânsito, tirando multas e conseguindo linhas de ônibus, licenciamentos de veículos e habilitações; e também em programas e projetos específicos, como Fome Zero, Minha Casa Minha Vida e outros.

Enfim, quanto mais fácil o trânsito da liderança pelos corredores do poder, melhor para você. O problema é que para conseguir esse acesso todo o comerciante de votos deve se relacionar bem com os governantes de plantão. Se você é um candidato de oposição, isso pode ser um problema, mas como a ética não significa muita coisa nesse meio, não será difícil trazer a liderança para o seu lado.

Etapa 02: MONTAGEM DA REDE
Aqui, antes de mais nada, uma observação: se você é candidato majoritário JAMAIS deverá tratar diretamente com qualquer liderança sobre BU. Essa função é dos candidatos da chapa proporcional ou, no máximo, dos coordenadores da campanha. Qualquer idiota sabe que não pode ser punido por algo que não fez ou que não sabia que estava sendo feito, mesmo tendo sido favorecido pelo ato. Nessa regrinha básica está a síntese de toda a impunidade eleitoral brasileira, então não a esqueça.

Voltando ao manual. Para não ter que falar aqui em operadores lógicos, teoria dos conjuntos, expressões booleanas ou coisa do tipo, que ajudam muito nesta fase, vamos simplificar: contrate pelo menos duas lideranças para cada conjunto de eleitores. Ou seja, dois compradores de votos em cada bairro, dois em cada grande empresa, dois em cada associação e assim por diante, sempre desconhecidos um do outro ou rivais na “atividade”.

Montando sua rede dessa forma, você aumentará substancialmente o seu índice de “queda” (termo utilizado para quando se diz que determinada parcela dos votos comprados “caiu na urna”), já que ajuda a eliminar aspectos importantes como as listas falsas (quando o vendedor promete o que não tem), a duplicidade (quando o eleitor vende seu voto a dois ou mais candidatos ao mesmo tempo) ou até a simples antipatia de uma parte dos eleitores daquele “nicho” em relação ao seu “representante”.

Sua rede deve ser organizada, basicamente, por áreas geográficas, segmentos e faixas etárias.

Etapa 03: VALIDANDO A REDE/MARCANDO LIDERANÇAS
Sua campanha deve ter uma estrutura mínima de inteligência, para deixa-lo sempre por dentro do que está acontecendo no mercado. Se uma liderança sua aparecer por aí de conversa com um adversário direto o sinal amarelo deverá ser aceso. Nesse sentido, é sempre bom validar a sua rede, marcando suas lideranças e mostrando aos seus concorrentes que “aquele ali tem dono”.

Essa marcação se dá normalmente através da realização de eventos onde essas lideranças sejam expostas ao máximo. A melhor estratégia, nesse caso, é realizar uma reunião com cada liderança, onde ela deverá juntar em algum lugar o máximo de eleitores que irá lhe vender, para que você os conheça, conquiste o pouco de vontade que lhes resta, verifique se a liderança tem mesmo o poder que está lhe vendendo e deixe claro para os vendedores de onde vem a grana.

Etapa 04: CAPTAÇÃO DE TÍTULOS
São várias as maneiras de computar o número de votos que você comprará. Algumas lideranças fazem listas, na maioria das vezes disfarçadas de abaixo-assinado comunitário, com os nomes e os números dos títulos de seus “representados”. Outras fazem cópias dos títulos. Estas e várias outras técnicas comumente têm buracos que as tornam menos efetivas, já que essas listas e cópias podem ser produzidas sem autorização de seus signatários, além de reproduzidas e vendidas várias vezes.

Com a recente decisão da Justiça de só aceitar o eleitor que apresentar documento com foto na hora da votação, a mais efetiva estratégia é a RETENÇÃO do título de eleitor original.

Funciona assim: a liderança coleta os títulos de seus eleitores e repassa para você, através de seu coordenador ou candidato a vereador, que fica com o original e devolve duas cópias: uma para a liderança e outra para o eleitor. Essas cópias só serão entregues no ato do pagamento e a cópia do eleitor deverá estar acompanhada da cola com os números nos quais ele deverá votar.

Você fica com o título original e só devolve depois da eleição e após a conferência dos votos que “caíram”.

Nem precisa dizer o quanto efetivo é dizer ao eleitor que ele só terá o título de volta se realmente votar em você.

Etapa 05: PAGAMENTO
Sabe aquela história de que na madrugada do sábado para o domingo é que se decide a eleição? É pura invenção, alimentada principalmente pelos candidatos que mais sabem comprar votos, pois esse tipo de tática normalmente só é colocada em prática por opositores desorganizados e desesperados, que, vendo a derrota iminente, tentam reverter o quadro distribuindo dinheiro e “presentes”.

Assim, quando a Justiça age ostensivamente nas horas que antecedem a votação para evitar ilícitos eleitorais, na verdade está servindo aos mais competentes compradores, que pagam por seus votos com o máximo de antecedência. Normalmente, até a quinta-feira o dinheiro já está todo distribuído com as lideranças, que usam diversas formas para entrega-lo aos seus fornecedores. A mais comum é a famosa “passadinha” antes de votar. O eleitor passa na casa da liderança ou de seus representantes, toma um cafezinho, recebe a cola e a grana e vai direto para a seção de votação.

Mas tem outras maneiras. Algumas lideranças pagam bem antes, algumas só pagam depois, outras pagam em produtos, em crédito no mercadinho e há até casos assustadores de lideranças que pagam em bebidas, farras e drogas.

Nesta etapa é importante ninguém querer ser esperto demais. O candidato tem que ter consciência que quanto mais a liderança ganhar, mais ela trabalha e a liderança tem que ser consciente para não repassar pouco demais para o eleitor e o voto não cair.

Por incrível que pareça, o modelo mais eficiente é baseado na “HONESTIDADE” (?) das partes, com o candidato pagando antecipado ao eleitor (a maioria das lideranças já retira uma pequena comissão dessa verba) e premiando a liderança após a votação, de acordo com o que “cair”. Esse modelo só funciona realmente com candidatos potencialmente eleitos, que pagam mais que a média e que têm relação permanente com suas lideranças.

Etapa 06: OPERAÇÃO BU
Não é porque você repassou o dinheiro quatro dias antes que vai deixar tudo na mão da liderança e esperar apenas pelo resultado das urnas. Para o candidato, os últimos dias são de intenso corpo-a-corpo, visitando o eleitorado (não as lideranças) para saber se está tudo dando certo. Eleitores desconfiados ou que ainda não foram atendidos é sinal de calote iminente e dá tempo de correr atrás da liderança para botar as coisas nos eixos. As lideranças devem ser acompanhadas de perto e até uma pesquisa informal junto aos eleitores cadastrados pode ser realizada para conferir se as coisas estão andando conforme o combinado.

No dia da eleição é sempre bom ver se a estratégia escolhida está sendo posta em prática, com uma equipe de acompanhamento permanente das lideranças, fornecendo transporte e alimentação para lideranças e eleitores que estejam trabalhando diretamente.

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Em síntese, é isso.

Obviamente este é o modelo básico e é muito mais fácil explicar do que colocar em prática de maneira efetiva e funcional.

Há várias outras modalidades e sistemas cada vez mais elaborados, com lideranças empregadas em órgãos públicos para garantir o encabrestamento permanente, cadastramento de eleitores baseado na prestação de serviços públicos e diversos meios de iludir o eleitor, fazendo-o acreditar na possibilidade de monitoramento de seu voto específico.

Também tem crescido os níveis de interação entre candidatos de um mesmo esquema, que já realizam conferência conjunta de listas para verificação de duplicidade.

O que não consigo, infelizmente, vislumbrar é uma maneira realmente eficiente de evitar a ocorrência desse fenômeno, que explica melhor que qualquer outro a baixa qualidade de nossos governos e representantes legislativos.

A Justiça não tem os meios para realmente estancar o problema e a legislação contribui diretamente para que não seja possível punir os culpados.

Só há uma maneira, no meu entender, de minimizar os efeitos da BU, que é inflacionando o mercado e implodindo o sistema. Acredito que quanto mais candidatos corruptos praticarem a compra de votos mais os votos aumentarão de preço e os resultados da compra influirão menos no resultado final da eleição.

Creio, sinceramente, que cada vez mais eleitores estão notando que o pouco que receberam em eleições passadas lhes fez eleger incompetentes e desonestos e que em breve os candidatos notarão que sai mais barato convencer o eleitor do que compra-lo e ser enganado por ele.

E que cada vez mais eleitores vendam seus votos e se vinguem escolhendo justamente aqueles que jamais tentariam comprar suas consciências.


Observação: o texto aqui publicado, de natureza muito mais irônica do que didática, não tem qualquer interesse em incentivar o uso das estratégias aqui relatadas. Muito pelo contrário, tem o condão de demonstrar o quanto é sujo e imoral o processo de cooptação de sufrágios mediante oferecimento de vantagens ilícitas, além de suscitar o debate em torno do assunto e contribuir para o desenvolvimento de estratégias eficientes de combate e punição dos que praticam a compra e venda de votos.

2 comentários:

Massa CríticaPB disse...

Até Parece a estratégia utilizada no Orçamento Democrático e no Projeto Empreender. Mera conscidência.

Ramiro Manoel Pinto disse...

Parabéns caro Emerson Saraiva,

Tudo uma questão de educação, luta, resistência, persistëncia e fé ...

Parabéns pelo brilhante texto ...

E a regra é simples, quanto mais BU, menos serviços básicos de saúde, educação, segurança, limpeza urbana, etc etc ...

Parabéns por nos educar, caro amigoirmão Emerson Saraiva !!!

Abraço fraterno,

Ramiro Manoel Pinto Gomes Pereira