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quinta-feira, outubro 13, 2011

A última Avó



Dona Geny, com Seu Heleno e minha irmã Raquel no colo
Você já ouviu alguém que morreu dizer que estava triste?
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Aliás, você já conversou com alguém que morreu?

Todos nós já conversamos.

Nós conversamos com gente que morreu o tempo todo, afinal todos nós já morremos.

E revivemos. E reviveremos. Sempre!

Mas nunca revivemos todos ao mesmo tempo, ainda bem.


Assim, sempre que morremos temos grandes motivos para ficarmos felizes, pois, além de termos cumprido mais uma etapa de nossa existência, temos a oportunidade de reencontrar pessoas que amamos muito e que nos fazem muita falta.

É por isso que enquanto uns estão aqui, outros não estão. Assim, ninguém fica só.

De um lado ou do outro, sempre estamos acompanhados de irmãos que nos antecederam numa ou noutra morada e que têm como uma de suas principais tarefas nos receber em nossas chegadas, quase sempre atordoados e ignorantes sobre o que nos espera ou sobre o que nos levou àquele lugar.

Quando aqui chegamos, sentimos sobre nós o peso de um corpo ainda recém-saído da amorfia, sobre o qual temos muito pouco controle e sob o qual temos que reaprender as funções mais básicas da locomoção e da expressão. Com o tempo, o invólucro ao qual estamos ligados adquire qualidades que nos tornam independentes, fortes e expressivos, mas o mesmo tempo se encarrega de impor à nossa hospedaria humana os traços do tempo decorrido e do seu bom ou mau proveito. Para alguns é dado pouco tempo e, quase sempre de maneira abrupta, abandonam o corpo ainda em perfeitas condições de uso.

Mas há outros que se utilizam do envoltório físico até o seu limite e aproveitam todas as suas possibilidades, em proveito próprio e de outrem, até que ele se transforme muito mais numa carga a ser carregada do que em um motor a impulsionar.

Quando isso acontece, o que vemos quase sempre é um pássaro de luz aprisionado em uma gaiola de nervos e ossos, ainda com todas as qualidades que o fez tão querido, mas sem a possibilidade de demonstrá-las.

Além de não permitir o serviço em benefício do próximo, a doença impede a manutenção da própria existência.

Transforma o indivíduo de provedor em assistido, que passa a necessitar da atenção e dedicação de outrem para sobreviver.

Como deve se sentir uma mulher forte, dinâmica, ativa e livre que passa por um processo de perda da saúde física que lhe leva a depender daqueles que criou e educou no grau mais avançado que eles dela já dependeram?

Uma prisioneira.

Era assim que devia se sentir dona Geny.

Não podia mais alegrar a todos com suas palavras de apoio e comiseração. Não podia mais presentear os filhos e netos com os abraços revigorantes (dos quais fui agraciado com muito poucos, mas inesquecíveis!). Não podia mais surpreender a ninguém pela presença de espírito com a qual contaminou a todos que com ela conviveram.

Estava presa em uma cela que lhe embaçava a mais importante de todas as funções: o pensamento, que lhe serviu à consciência firme e aos propósitos elevados quando da criação exemplar dos filhos e da participação decisiva nos destinos de todos os descendentes.

Dona Geny recebeu esta semana o seu tão esperado e merecido “habeas espiritus”!

Expedido no prazo necessário para que pudesse cumprir sua cruz de provas e expiações e segundo o mais profundo senso de justiça, seu cumprimento foi determinado por aquele que a acompanhou desde sua criação e a guiará firmemente rumo à inexorável perfeição: seu Pai. Nosso Pai!

Dona Geny está livre! Graças a Deus!

Para infortúnio de todos aqueles que tiveram a sorte e o prazer de com ela conviver, não mais será possível retornar ao convívio deste plano, e estes cumprirão agora a pena de existir sem sua presença física a lhes guiar e consolar.

Para alegria dos que partiram antes dela, já deve estar se encaminhando para suas ansiosas companhias, tão importantes neste momento de recuperação da verdadeira consciência pessoal, celular e universal.

Será, se já não estiver sendo, coberta de beijos, abraços e palavras de amor e caridade.

Era minha última avó nesta existência e meu último encontro com ela foi extremamente marcante pela tristeza que provocou em mim graças à consciência adquirida de maneira absolutamente brusca de tudo o que eu havia perdido por não tê-la encontrado antes e que àquela altura seria impossível reverter. Uma de minhas maiores frustrações.

Estamos todos tristes pela sua ausência, mas ela não precisa da nossa tristeza.

Ela merece, isto sim, a nossa Gratidão.

Como deve estar feliz Seu Heleno e tantos outros que dividiram suas existências com ela e que tiveram que, nesta última, deixa-la inesperadamente.

Impossível imaginar o tamanho do sorriso e o brilho transparente das lágrimas de alegria do filho que se viu obrigado a abandonar a mãe, sofrendo e, ao mesmo tempo, impingindo-lhe talvez a mais aguda das dores que suportou nessa existência. Gileno está eufórico! Sua mãe voltou!

Mainha, com certeza, encontra-se ao seu lado, junto com tantos outros irmãos, pronta a assistir ao seu restabelecimento e a relembrar-lhe sobre as particularidades da morada à qual ela está retornando.

Em breve, tudo ficará bem, conosco, por que com Dona Geni já está tudo ÓTIMO!

Embora a convivência, por razões que o destino impôs e a natureza humana provocou, não tenha sido sequer uma fração do desejado por ambas as partes, sei que me acompanhou e me dedicou a parte merecida do seu amor e atenção. Assim, agradeço por tudo, Vó!

Nossas bênçãos!!!

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