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quinta-feira, janeiro 26, 2012

Cobertura de conflitos: coragem ou covardia?



Lembra daquela matéria que passou na TV mostrando uma comunidade fechando uma rodovia com pneus velhos e troncos de madeira? E daquela reportagem sobre os manifestantes que invadiram uma repartição pública e tiveram que ser expulsos pela polícia?

Todo mundo lembra de ter visto várias coberturas jornalísticas de eventos como esses, assim como vamos todos lembrar durante um bom tempo das cenas de guerrilha entre os moradores de Pinheirinho e a polícia militar, há alguns dias, no interior de São Paulo.

Mas alguém lembra de ter visto alguma matéria sobre o que levou àquilo antes daquilo acontecer?

Este é um aspecto da notícia muito debatido nas salas dos cursos de jornalismo de todo o Brasil, pois a imprensa tem a mania de mostrar determinadas manifestações e conflitos sociais anunciados com dias, meses, anos de antecedência e que poderiam até ser evitados por uma boa reportagem que alertasse a população e denunciasse a postura dos gestores públicos, quase sempre apontados, com razão, como maiores culpados por mortes em estradas e rodovias, falta de atendimento em serviços públicos, descaso no tratamento dos problemas da comunidade etc.

Nessas coberturas a gente sempre tem a fala de um manifestante dizendo que já esgotaram-se todas as possibilidades de diálogo e negociação com quem de direito e que aquele é um ato extremo para tentar sensibilizar a opinião pública. Depois vem um representante do governo – quando eles se propõem a falar – afirmando que o problema será resolvido rapidamente e que determinado órgão está mobilizado para atender à demanda da comunidade.

Ou seja, o problema começa, se desenvolve, cresce, chega a um ponto insustentável, a população se mobiliza, realiza um ato extremo – que, por vezes, prejudica o governo ou outras parcelas da sociedade – e a imprensa logo corre para fazer a cobertura das imagens chocantes e dos embates violentos entre governo e cidadãos.

No momento em que opta por esse tipo de abordagem, a mídia dá à si mesma, publicamente, um inegável atestado de incompetência, adotando como regra o que deveria ser exceção e abrindo mão de um importante papel social, que é utilizar-se dos recursos que dispõe para possibilitar o diálogo entre a população e o poder público, servindo, num primeiro momento, como investigador, para depois denunciar e, finalmente, propiciar a resolução dos problemas, sempre que possível pelas vias pacíficas.

Mas que graça tem isso no contexto atual do jornalismo espetacular e apelativo? Nenhuma!


É muito melhor deixar a corda esticar e gravar o momento do rompimento. Dá manchetes mais atrativas, imagens mais impactantes e gera discussões mais acaloradas, sem falar que, a depender do “posicionamento político” do veículo (no Brasil, todos os veículos têm um), essas coberturas sempre servem para cutucar algum nível do governo, demonstrando assim a “força” do quarto poder.

Sempre que você vir alguma reportagem sobre algum tipo de manifestação ou protesto popular, procure pensar se aquela situação não poderia ser evitada se o veículo tivesse feito alguma reportagem antes, quando o problema ainda não havia chegado àquele ponto de estrangulamento.


Se a sua conclusão for SIM, significa que, ao invés de destemido e independente como tenta parecer que é, na verdade aquele veículo é covarde e irresponsável em relação ao seu papel social.

E assim a gente vai aprendendo a consumir com mais consciência o produto mais importante dos tempos atuais: informação.


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