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domingo, março 25, 2012

O Cliente Amador



Faz tempo...
Foi na época em que eu trabalhava no Studio NOAR, há uns 15 anos, que comecei a fazer, além das partes técnica (fotografia, iluminação, edição etc.) e criativa (conceito, ideia, roteiro etc.)  em publicidade e propaganda audiovisual, também a parte de produção.

Na verdade não gosto dessa área e fui obrigado a fazer isso porque eu não tinha como realizar os projetos que desenvolvia sem que tivesse toda uma estrutura para viabiliza-los, então comecei a cadastrar pessoas, lugares, prestadores de serviços e quando aparecia algum filme eu contatava todo mundo, fazia o orçamento e repassava para o cliente.

Certa vez fui chamado, em cima da hora, como sempre, para produzir o filme de uma famosa boutique campinense.

O filme não tinha nada de criativo. Uma música legal, modelos produzidos em locações interessantes e pronto.

Entrei em contato com todo mundo, calculei os custos e já na véspera das gravações passei o orçamento para a corretora que atendia à cliente.

Nessa época um VT basicão custava, em média, uns R$ 400,00 e o meu orçamento deu uns R$ 2.000,00. A cliente me ligou depois de receber a proposta e quase me “engolia”. Me disse que eu estava louco e até insinuou que eu queria rouba-la por ela não ser “da área”.

Como o filme estava agendado para entrar no ar uns dois dias depois, a dona da loja disse à corretora que contratasse apenas a “filmagem” e do resto ela se encarregaria.

No dia marcado, a equipe foi até a loja. Ao chegar, perguntaram à dona o que seria gravado. Como “pans” e “zooms” das prateleiras já eram mico naquela época e ela lembrava muito bem do que eu havia proposto em meu roteiro, mesmo sem se preocupar em estar roubando minhas ideias, assumiu ela mesma o papel de produtora.

Inicialmente, ligou para duas amigas que tinham filhos jovens e bonitos e os convidou para participar. Duas horas depois, os três – duas meninas e uma rapaz – estavam na loja, com as caras lavadas.

Corre e chama uma cabelereira e uma maquiadora!

Depois de cinco horas – lá pelas 15h – finalmente estavam todos prontos.

Onde vamos gravar? Perguntou o cinegrafista. A dona da loja, mais uma vez, lembrou das locações que eu havia proposto e disse os lugares. O cinegrafista perguntou, então, quem iria dirigir a produção e como o pessoal iria para as locações, pois no carro da produtora só cabiam a equipe técnica e os equipamentos.

A dona da loja então colocou todo mundo – modelos, maquiafora e cabelereira – em seu carro e foram para a rua.

Começaram a gravar às 16h. Às 17h20 a luz foi embora e nem um quinto das roupas havia sido gravado. Como o filme era de primavera-verão, o ideal era que fosse gravado com luz natural. Resultado: gravação suspensa até o dia seguinte.

No dia seguinte, todo mundo na loja de novo, duas horas para que estivesse tudo pronto e “vamo simbora” gravar.

Assim como no dia anterior a cliente levou os “modelos” para lanchar, no segundo dia foi todo mundo almoçar por conta dela, para não perder tempo. E ela não levaria os filhos das amigas para qualquer lugar. Foi coisa chique...

As gravações terminaram outra vez ao por do sol.

No terceiro dia, já no deadline para entregar na TV, editei o material com uma música de um CD que a cliente mandou (bem parecida com a que eu propus) e mandei uma cópia, pela corretora, para aprovação.

A cliente assistiu e adorou o resultado.

Ligou para agradecer pela edição, sem saber que quem havia editado era o “ladrão” de dois dias atrás. Quando atendi, ela reconheceu minha voz e ficou constrangida, mas mesmo assim elogiou a qualidade da edição e disse que o filme havia ficado muito bom.

Eu, para não perder a oportunidade, elogiei todo o trabalho de produção que ela desempenhou e perguntei, como quem não quer nada: - Se fosse para cobrar pelo seu trabalho, quanto seria?

A mulher quase caiu no choro e desabafou: - Perdi dois dias de trabalho, gastei mais do que você me cobrou com transporte, alimentação, maquiagem, cabeleireiro, deixei de resolver minhas coisas, não paguei cachê mas tive que presentear os modelos com roupas que valiam muito mais do que os modelos que você propôs cobravam. Deus me livre! Nunca mais eu faço isso!

No final, calculando tudo, inclusive o trabalho de gravação, que aumentou muito por causa dos problemas de logística, o filme deve ter custado umas três vezes mais e, sinceramente, apesar do esforço para editar, ficou extremamente brega.

Moral da história: você não se atreveria a fazer você mesmo o trabalho de um médico ou de um engenheiro. Ao se meter no trabalho de quem produz filmes, graças à impressão equivocada de que é tudo muito fácil e divertido, a única coisa que você consegue é aprender da pior maneira que quem trabalha com isso também precisa ter grande competência técnica e artística e que os curiosos, além de motivo para piadas e causos no meio, ao investirem seu tempo e dinheiro no amadorismo, não só “contratam” os piores fornecedores como têm os piores resultados.

Essa história é antiga e a lógica é que fosse coisa do passado, mas as novas tecnologias e a popularização dos recursos, ao invés de diminuir esse tipo de evento, o tem multiplicado. 

Se multiplicam no mercado os “espertos” que acham que quem cobra justamente pelo seu trabalho quer rouba-los e se metem a tentar fazer eles mesmos ou através de amigos que “mexem” com isso, para conseguir “baratinho” o que acham caro.

Algumas poucas vezes o resultado nem é tão ruim, mas a regra geral é mesmo de fracassos completos ou parciais, baixíssima qualidade e prejuízos financeiros e comerciais.

Para quem trabalha na área e tem a capacidade e competência necessárias, felizmente é isso que garante, desde que não se dobre às propostas de trabalhar na base do arranjo ou da gambiarra, não precisar se render a esses que são amadores até como clientes.


Um comentário:

Carlos Magno disse...

O pior, Mercinho, é que, como você disse, faz tempo, mas ainda hoje vemos isso. Aliás, a sua foto com a camisa do Pike me deu uma saudade... abração, amigo. PARABÉNS PELO BLOG. Carlos Magno