Octavio Paz (Trad. Antônio Moura)
O surrealismo tem sido a maçã de fogo na árvore da sintaxe.
O surrealismo tem sido a camélia de cinza entre os peitos da adolescente possuída pelo espectro de Orestes.
O surrealismo tem sido o prato de lentilhas que o olhar do filho pródigo transforma em festim fumegante de rei canibal.
O surrealismo tem sido o bálsamo de Ferrabrás que apaga os sinais do pecado original e o umbigo da linguagem.
O surrealismo tem sido a cusparada na hóstia e o cravo de dinamite no confessionário e o abre-te sésamo das caixas de segurança e das grades dos manicômios.
O surrealismo tem sido a chama ébria que guia os passos do sonâmbulo que caminha na ponta dos pés sobre o fio de sombra que traça a folha da guilhotina no pescoço dos justiçados.
O surrealismo tem sido o prego ardente na fronte do geômetra e o vento forte que à meia-noite levanta o lençol das virgens.
O surrealismo tem sido o pão selvagem que paralisa o ventre da Companhia de Jesus até que a obriga a vomitar todos os seus gatos e seus diabos encarcerados.
O surrealismo tem sido o punhado de sal que dissolve as velhas moedinhas do realismo socialista.
O surrealismo tem sido a coroa de papelão do crítico sem cabeça e a víbora que desliza entre as pernas da mulher do crítico.
O surrealismo tem sido a lepra do ocidente cristão e o açoite de nove cordas que desenha o caminho de saída para outras terras e outras línguas e outras almas sobre o lombo do nacionalismo embrutecido e embrutecedor.
O surrealismo tem sido o discurso da criança soterrada em cada homem e a aspersão de sílabas de leite de leoas sobre os ossos calcinados de Giordano Bruno.
O surrealismo tem sido as botas de sete léguas dos foragidos das prisões da razão dialética e a tocha de Pulgarcito que corta os nós da trepadeira venenosa que cobre os muros das revoluções petrificadas do século XX.
O surrealismo tem sido isto e isto e isto.
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